Senecio brasiliensis
No
Brasil as plantas tóxicas são responsáveis por grande parte dos prejuízos
econômicos em animais de produção, principalmente em equinos e bovinos.
O
gênero Senecio, se destaca por ser a principal causa de mortes de bovinos
adultos.
A toxicidade causada por esse gênero vegetal se deve à presença dos
alcaloides pirrolizidínicos, que sofrem biotransformação no fígado, gerando
metabólitos tóxicos. Esses compostos tóxicos, se encontrados em produtos
comestíveis de origem animal, podem também ser nocivos para o homem, ou ainda
se este fizer uso dessa planta na medicina popular.
As
espécies do gênero Senecio sp., pertencentes à família Asteraceae (Compositae),
são nativas de várias regiões do mundo, e consideradas causadoras de
enfermidades de caráter enzoótico em bovinos, podendo ainda causar toxicidade
em seres humanos .
A
espécie mais frequente no Brasil é o Senecio brasiliensis, conhecida
popularmente como “Flor das almas”, “Tasneirinha” e principalmente “Maria-mole”,
apresentando distribuição geográfica principalmente na região sul, podendo ser
observada também em áreas altas e frescas da região sudeste .
Senecio
brasiliensis é uma planta perene, herbácea, ereta, de até 2m de altura. Possui
caule glabro, cilíndrico, geralmente ramoso na parte superior; folhas
alternadas, pecioladas, com a face inferior branco-pubescente e inferior
glabra, de 10 – 20 cm de comprimento; capítulos radiados, com 40 – 50 flores de
coloração amarela odoríferas; o fruto é um aquênio pequeno, cilíndrico, cinza,
ou pardo escuro.
Esta
planta se propaga facilmente, principalmente sob condições ambientais ideais,
como umidade e luz para a brotação, e temperatura para floração, favorecendo
sua ingestão pelos animais em qualquer época do ano. Mesmo com baixa
palatabilidade, o consumo desta pelos bovinos ocorre principalmente entre os meses
de maio a agosto, quando a disponibilidade de pastagem diminui e as plantas
estão em brotação.
Os princípios
ativos tóxicos das plantas do gênero Senecio são os alcaloides pirrolizidínicos
(APs). Esses alcaloides por si só não apresentam toxicidade, porém se tornam
tóxicos quando biotransformados no fígado a uma forma pirrólica altamente
reativa, conhecida como de-hidropirrolizidinas, que são os metabólitos tóxicos
primários, e como secundários, o álcool pirrol.
Os
maiores teores de alcaloides são encontrados quando a planta está em período de
floração, porém, estudos realizados com sementes mostraram que essas seriam as
partes mais ricas em APs, indicando que a planta madura é mais tóxica. Mais
tarde, novas pesquisas foram realizadas nos Estados Unidos para analisar o teor
de APs em espécies de Senecio e concluiu-se que o conteúdo de alcaloides em
cada uma das espécies estudadas varia muito durante o ciclo de crescimento da
planta, e de ano para ano. Nesses estudos, também verificou-se que as flores da
maioria das espécies tóxicas de Senecio continha mais APs do que nas folhas e
caules, evidenciando, dessa forma, que há uma grande variação da quantidade do
princípio tóxico nas diferentes partes da planta.
Em
relação a S. brasiliensis, os principais APs são a integerrimina e a
senecionina, e como alcaloide secundário a retrorsina. Quanto à toxicidade,
todas as partes de S. brasiliensis são tóxicas, tanto verdes quanto dessecadas.
Quanto à variação de toxidez nas diversas fases de desenvolvimento, alguns
estudos mostraram que a S. brasiliensis apresenta maior concentração de APs no
período de floração. Contudo,
a característica imprescindível para a toxicidade hepática, tanto aguda quanto
crônica, é a necina.
No caso dos animais de produção no Brasil, dentre as causas mais comuns de morte de bovinos adultos estão as intoxicações por plantas, resultando em perdas econômicas diretas e indiretas. Estima-se que metade dessas mortes é causada por diferentes espécies de Senecio.
Até a
década de 1980, no Brasil, sabia-se pouco sobre a toxicidade de S. brasiliensis
para os animais domésticos. Os poucos estudos sobre a intoxicação desta planta,
em condições naturais de exposição, se limitavam às espécies equina e bovina. De
fato, o primeiro surto da intoxicação foi relatado em 1946, em equinos
alimentados com alfafa contaminada por S. brasiliensis, no estado de São Paulo.
Mais
tarde, no estado do Paraná, foram relatados casos de cirrose hepática em
cavalos, provavelmente, por ingestão de Senecio. Já em relação aos bovinos,
foram relatadas suspeitas e casos diagnosticados de intoxicação por Senecio na
região sul do Brasil a partir da década de 1980.
A exposição prolongada a
espécies de Senecio leva a uma doença progressiva conhecida por seneciose, na
qual as manifestações clínicas ocorrem durante várias semanas ou até meses após
a ingestão da planta. O primeiro sinal clínico observado nos animais
intoxicados é a perda de peso devido à diminuição da ingestão de alimentos.
Em casos
de intoxicação de bovinos e equinos são descritos alguns achados neurológicos,
como lesões histológicas no sistema nervoso central, caracterizadas por
discretos focos de malácia, leve satelitose, edema de meninge, entre outros.
Essas lesões histológicas não são provocadas pela ação direta dos APs, mas
devido à incapacidade do fígado em biotransformar a amônia.
Em
equinos foram descritos casos de intoxicação espontânea e experimental por S.
brasiliensis. Nesses animais, achados de necropsia mostraram ascite,
megalocitose de hepatócitos, e ocorrência de decréscimo de secreção de bile com aumento dos níveis de bilirrubina,
promovendo a icterícia. A anemia é outra consequência da intoxicação por
alcalóides pirrolizidínicos Alguns animais apresentaram distúrbios
neurológicos, como hiperexcitabilidade, andar cambaleante e incoordenação motora.
Em
equinos as alterações neurológicas são bem marcadas: o animal apresenta
cegueira e, caracteristicamente, pressiona a cabeça contra objetos sólidos.
Essa alteração neurológica é chamada encefalopatia hepática e normalmente
aparece em estágios finais da intoxicação.
Estudos
foram conduzidos com S. brasiliensis em bovinos. Assim, constatou-se que a
morbidade em bovinos variou entre 1% a 30% e a letalidade foi quase 100%. A
sintomatologia observada nesses animais foi perda de peso, tenesmo e prolapso
retal, pelagem grossa, distúrbios digestivos e, ocasionalmente, icterícia,
fotossensibilização e edema cutâneo da barbela.
Em bovinos foi observada
fibrose hepática, tumefação da superfície capsular, acentuação do padrão
lobular, presença de nódulos regenerativos e diversos graus de degeneração,
megalocitose e necrose de hepatócitos. Observou-se ainda icterícia, ascite,
edema e hemorragia no mesentério e nas paredes dos intestinos grosso e delgado.
A intoxicação em bovinos ocorre principalmente em animais adultos, em
particular em vacas por permanecerem por maior tempo na propriedade e
ingerirem, ao longo do tempo, maior quantidade de Senecio. Machos são menos
susceptíveis do que as fêmeas e os bovinos jovens são mais sensíveis à
intoxicação do que os animais adultos. Por outro lado, num estudo
epidemiológico com bovinos intoxicados por Senecio spp., observou-se que dos 35
surtos avaliados 34% ocorreram em animais abaixo de três anos e 60% em animais
adultos.
Estudos recentes realizados em ratos mostraram que a exposição
pré-natal ao S. brasiliensis prejudicou o desenvolvimento físico e
reflexológico da prole. Esses achados sugerem que esse dano pode também ocorrer
em animais de produção, principalmente bovinos, uma vez que S. brasiliensis é
muito frequente nas pastagens, podendo ser ingerida pelos animais em idade
fértil.
Em
ovinos, estudos experimentais mostraram que a intoxicação por S. brasiliensis
causou icterícia, hepatomegalia com acentuação no padrão lobular e coloração
escura nos rins. Na intoxicação natural por esta planta os ovinos apresentaram
apatia, anorexia, emagrecimento progressivo, fotossensibilização, icterícia,
incoordenação motora, andar compulsivo a esmo, decúbito e morte em casos mais
severos.
Quanto
à intoxicação pelos APs, sabe-se que está relacionada com a susceptibilidade
das diferentes espécies animais e com o balanço entre as reações de
bioativação, desintoxicação e excreção desses alcaloides. Os bovinos e equinos
são bastante suscetíveis à intoxicação por Senecio, sendo 30 a 40 vezes mais
sensíveis do que ovinos e caprinos, uma vez que, na maioria das vezes, estes
últimos podem consumir a planta sem adoecerem. Em particular, a resistência dos
ovinos à ação hepatotóxica dos APs está relacionada às peculiaridades de sua
flora ruminal e aos sistemas enzimáticos do fígado, o que resulta em uma
excelente detoxificação desses alcaloides.
É importante destacar que o dano
provocado pela ingestão de S. brasiliensis está relacionado com o tempo de
exposição dos animais a esta planta, pois, em condições naturais, os animais
passam longos períodos ingerindo pequenas quantidades da planta, caracterizando
a exposição de forma crônica. Na maioria dos casos há dificuldade de se realizar
um diagnóstico preciso, visto que a maioria dos animais apresenta danos
hepáticos sem a ocorrência de sinais clínicos.
As
medidas profiláticas usadas para minimizar a incidência de intoxicação dos
animais de produção consistem principalmente em retirar a planta dos pastos. Pode-se
também empregar a técnica do controle biológico, através do uso, por exemplo,
de insetos na pastagem, controlando a dispersão da planta no campo. Uma
alternativa para melhorar este quadro seria o desenvolvimento de centros de
informações sobre enfermidades causadas pela ingestão de plantas tóxicas em
animais domésticos, com o intuito de noticiar características das doenças e do
comportamento fenológico das plantas tóxicas de maior relevância para a
pecuária.
Além
de ocasionar perdas econômicas significativas para a pecuária no Brasil, a
intoxicação por S. brasiliensis é também uma preocupação em saúde pública, uma
vez que pode afetar diretamente ou indiretamente a saúde dos seres humanos.
Assim, fica evidente a importância do conhecimento e a divulgação sobre a
profilaxia e o risco da exposição ao S. brasiliensis, bem como a realização de
estudos para identificar a presença de princípios ativos tóxicos em outras
plantas que apresentam danos para a saúde pública e veterinária.
LISTA
DE FOTOS
FIGURA 1. Disponível em <http://www.ufrgs.br/fitoecologia/florars/open_sp.php?img=7433>.Acessado em: 06 mar. 2015.
REFERÊNCIAS
SPINOSA,
H. S.; GÓRNIAK, S. L.; NETO, J. P. Toxicologia
aplicada à Medicina Veterinária. 1.ed. São Paulo: Ed. Manole, 2008 p. 409-435.
Silva, C.
M.; Bolzan, A. A.; Heinzmann, B.
M. Alcalóides pirrolizidínicos em
espécies do gênero Senecio. São Paulo, 2006. Disponível em: < http://www.scielo
.br/scielo.php?pid=S0100-40422006000500026&s cript=sci_arttext>. Acesso
em: 06 mar.2015.
BASILE,
J. R. et al. Intoxicação por Senecio
spp. (Compositae) em bovinos no sul do Brasil, UFRGS FAVET: Acta Scientiae
Veterinariae, Rio Grande do Sul, 33(1): 63-68, 2005.
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